Por: Fernando de Almeida | Prompte et Sincere
⁵⁰ E Jesus, clamando outra vez com grande voz, entregou o espírito. ⁵¹ Eis que o véu do santuário se rasgou em duas partes de alto a baixo; tremeu a terra, fenderam-se as rochas; ⁵² abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram; ⁵³ e, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos. (Mt 27.50-53)
A morte de alguém querido é um evento marcante. É como se cada um de nós tirasse uma foto daquele dia, de modo que nos lembramos exatamente dos eventos que cercaram o dia trágico no qual perdemos alguém. Essas lembranças são tão vívidas porque são ativadas de sentimentos de maneira que quanto mais sentimos, mais lembramos. A morte de Jesus também foi um evento marcante e carregado de muitos significados. Não somente por causa da tristeza dos seus familiares, amigos e discípulos mas por causa da áurea de teologia que a cingiu. Cada detalhe do que aconteceu após ter expirado tem uma razão teológica de ter acontecido e tentaremos hoje entende-los.
I. A reconciliação realizada
Assim que Jesus expirou, “o véu do santuário se rasgou em duas partes de alto a baixo” (Mt 27.51). O judeu não tinha dúvidas ao que Mateus estava se referindo: era a cortina do Templo de Jerusalém, responsável por separar o chamado Lugar Santo do Lugar Santíssimo (também chamado de “Santo dos Santos” na Bíblia). Embora passe pela nossa cabeça que véu seja uma fina camada de tule, agitada pelo vento, na verdade, era uma espessa parede. “Ela tinha vinte metros de comprimento e quatro dedos de espessura” [1] “O véu era feito de azul, púrpura, escarlate e linho fino trançado, e bordado com figuras de querubins” (Êx 26.31-37; 36.35). Josefo disse que a mistura de cores do véu tinha uma interpretação mística (War, V. v. 2). Era pendurado com ganchos de ouro em quatro pilares de madeira de acácia revestidos de ouro, os quais eram colocados em cavidades ou bases de prata. É provável que a cortina fosse bastante grossa para combinar com seu grande tamanho. Atrás do véu estava a Arca do testemunho com o propiciatório posto sobre ela. […] Só ao sumo sacerdote era permitido entrar além do véu, e isto apenas um dia em cada ano — o dia da Expiação (Lv 16.2ss.; Nm 18.7; Hb 9.7).”[2]
- A Instituição do Sacerdócio no Antigo Testamento
O rasgar do véu significou que, daquele momento em diante, o ministério sacerdotal exclusivo estava sendo abolido. Precisamos lembrar, então, o motivo pelo qual Deus o criara.
As Leis dadas por Deus a Moisés no Monte Sinai não se resumiram aos Dez Mandamentos, as chamadas Leis Morais. Deus deu também uma série de regulamentações sobre a maneira como o povo deveria prestar culto, ao que chamamos de Leis Cerimoniais. A base da adoração era através de representações e mediadores; sendo que o povo era representado através do animal sacrificado e o sacerdote era o mediador entre eles e Deus. Ele era responsável por receber as ofertas e celebrá-las diante de Deus, conforme seus vários tipos.
Se era oferta de sangue, ele então fazia o sacrifício e o holocausto, a queima da oferta. Os sacerdotes eram tomados dentre algumas famílias da tribo de Levi; já o sumo-sacerdote, precisava ser especificamente descendente de Arão. Sua função, além de coordenar os turnos dos sacerdotes, era entrar uma vez por ano no Santo dos Santos, no chamado Dia da Expiação, para aspergir sangue do sacrifício sobre a Arca da Aliança, também representando a contrição do povo por seus pecados. Somente nesse dia o véu era removido e trocado pois, segundo historiadores, havia uma mulher em Israel designada para tecer esse véu, a qual demorava exatamente um ano para confeccioná-lo. Como já vimos, por ser muito espesso, o véu era cosido em faixas horizontais as quais eram costuradas umas às outras formando assim aquela pesada cortina. A informação do evangelista de que se rasgou de “alto a baixo” é muito importante pois se fosse de lado a lado, poderia sugerir que tivesse descosturado devido ao efeito de seu próprio peso e não rasgado propriamente dito. Foi um verdadeiro milagre.
- A abolição do sacerdócio exclusivo
Tanto o véu quanto o chamado “Santo dos Santos” precisaram ser reinterpretados a partir da morte de Cristo, pois “para os sacerdotes que ministravam no santuário, o véu representava uma barreira. Mesmo sabendo que a arca e o propiciatório estavam atrás do véu, era-lhes proibido atravessá-lo sob pena de morte instantânea” [3]. Até para o sumo sacerdote era uma barreira, levando em conta que ele só poderia entrar ali uma vez por ano. O acesso era tão restrito que segundo alguns historiadores, o sumo sacerdote amarrava um guizo e uma corda ao seu tornozelo enquanto estava lá, pois se algo acontecesse com ele, podiam puxá-lo para fora sem a necessidade mortal de entrar naquele aposento. Enquanto ouviam o guizo, sabiam que estava tudo bem.
O autor de Hebreus (10.19-23) diz que o véu é a carne de Cristo e que por ela, ele nos deu um novo e vivo caminho que significa entrar no Santo dos Santos. É como se cada um de nós pudéssemos ser como aquele Sumo sacerdote e termos, mais que o privilégio, a intrepidez de estarmos na presença do Senhor.
A morte de Cristo nos trouxe a possibilidade de sermos todos sacerdotes. Não há mais necessidade de que ninguém me represente diante de Deus pois Cristo é o nosso representante definitivo, o “Advogado junto ao Pai” (1 Jo 2.1-2). “Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna.” (Hb 4.16)
II. A redenção prometida
Mateus diz que imediatamente ao véu ter sido rasgado de alto a baixo, “tremeu a terra, fenderam-se as rochas” (Mt 27.51) Esse foi o segundo fenômeno que ocorreu na morte de Cristo. Houve uma manifestação da Criação na morte de Cristo, como se isso fosse uma resposta aos gemidos e clamores por conta dos efeitos da queda: “Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora.” (Rm 8.22). Houve uma mudança estrutural na criação por causa da presença do pecado: “maldita é a terra por tua causa” – disse Deus. Ela então passaria a produzir “cardos e abrolhos” (Gn 3.17-18). Quando o ser humano preferiu o pecado, tudo o que estava aos seus cuidados caiu com ele, ou seja, a natureza sofre por dois motivos: porque foi amaldiçoada na queda do seu “gerente” (o homem) e porque aquele que agora explora os recursos naturais não é mais perfeito e santo em seus propósitos. Ao contrário. Ele é mesquinho e inconsequente. E se for necessário destruir para que ele obtenha mais riqueza, ele o fará sem pestanejar.
A morte de Jesus assevera a redenção final e geral de toda a Criação de Deus, na medida que prenuncia “novo céu e nova terra” (Ap 21.1; 2Pe 3.13). Há, então, uma espécie de suspiro de alívio do mundo criado pois Jesus reconciliou “consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus” (Cl 1.20).
III. A ressurreição anunciada
O terceiro e mais assombroso evento ocorrido imediatamente à morte de Cristo é descrito da seguinte forma: “abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram; e, saindo dos sepulcros depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos.” (Mt 27.52-53)
Lembremo-nos de que havia acabado de acontecer um terremoto e, como consequência, as rochas se fenderam e os túmulos se abriram. Era de se esperar que as câmaras mortuárias ou os túmulos cavados nas pedras não suportassem a força do abalo sísmico e se rompessem. Muitos, não entanto, querem explicar essa narrativa bíblica somente dessa forma, como se o “sinal” na verdade fosse apenas a exposição dos ossos há muito enterrados como consequência do terremoto. A Bíblia diz muito mais: ela afirma que houve ressurreição dos santos e que esse evento foi testemunhado por muitos em Jerusalém, a cidade santa.
Sei que uma série de perguntas surgem em nossa mente nessa hora, como “Quem eram eles?” ou “Que espécie de ressurreição tiveram?” Pela escassez de detalhes, podemos concluir que a Bíblia está mais interessada no significado teológico desse acontecimento do que satisfazer nossa curiosidade. Nesse sentido, podemos concluir que:
Jesus é o Filho de Deus
Nenhum homem, nenhum mártir poderia produzir esses acontecimentos em sua morte. Somente o verdadeiro Deus encarnado poderia demonstrar total controle sobre a vida e sobre a morte daquela forma.
Ele venceu a morte
Embora Jesus ainda viesse a ressuscitar ao terceiro dia, esse evento de ressurreição de mortos demonstra que, por causa da morte de Cristo, o principal problema do ser humano por causa do pecado estava vencido. A morte foi vencida na cruz de Cristo.
A ressurreição é certa
Outra consequência disso é que o cristão pode ter convicção de que a ressurreição é certa. Não é uma promessa vazia mas comprovada através de uma amostra na morte de Cristo, como se fosse um “tira-gosto” antes da refeição principal, na segunda vinda de Cristo, quando haverá a ressurreição final. Dessa forma, há esperança já no presente.
Somente seu povo ressuscitará para a vida
Na segunda vinda de Cristo todos ressuscitação, tanto justos quanto injustos (At 24.15); esses para a perdição, aqueles para a glória. Na morte de Cristo, porém, é deixado inconteste que o fenômeno da ressurreição foi apenas para os “corpos dos santos” pois somente para esses a ressurreição será sinônimo de bênção e vitória.
Conclusão
A morte de Cristo veio acompanhada de muitos sinais e todos eles representativos em relação ao significado do que Cristo veio fazer por seu povo, como missão dada por seu Pai. Kistemaker sintetiza bem esses eventos da seguinte forma: “Sumariando a significação desses sinais, pode-se dizer que indicam o significado da morte de Cristo para os filhos de Deus de todo clima e nação: livre acesso ao trono de Deus e ao seu santuário celestial por intermédio da morte de Jesus; a herança de um universo maravilhosamente rejuvenescido; e uma gloriosa ressurreição para uma vida que jamais será acompanhada pela morte. E assim, todos esses sinais enfatizam a majestade da Pessoa que deu sua vida em resgate de muitos. Particularmente, eles enfatizam a rica significação de sua morte.” [4]