Por: Túlio Leite | Prompte et Sincere
Em fevereiro, durante uma viagem ao Sul do Brasil, eu, minha esposa, meu cunhado, sua esposa e seu filho visitamos, pela primeira vez, uma igreja luterana. O culto foi sóbrio, com bons hinos, e a mensagem simples e bíblica. No entanto, no momento da ceia, fomos instruídos a permanecer sentados em nossos lugares, aguardando as orientações pastorais, pois a ceia era reservada apenas para os luteranos. Imediatamente me lembrei de Paulo, que criticou os coríntios ao afirmar que aquilo que eles realizavam não era a ceia do Senhor, pois enquanto alguns se embriagavam, outros passavam fome. Para mim, a situação era semelhante: “fiquem sentados me observando enquanto eu me alimento”. Naquele momento, me levantei e instruí minha pequena tropa a me seguir para fora do templo. Senti tristeza ao perceber que um momento que deveria ser de comunhão havia se tornado uma ocasião de discriminação. Os luteranos alegam que não podemos participar da ceia com eles porque não compartilhamos da mesma crença na consubstanciação.
Não se trata de não ter fortes convicções sobre o significado da ceia e seus elementos. O livro Teologia dos Reformadores, de Timothy George, oferece um bom resumo das intensas discussões sobre a ceia, especialmente entre Lutero e Zuínglio. No entanto, o autor acrescenta: “Em 1525, um dos participantes mais moderados desses debates, Wolfgang Capito, de Estrasburgo, escreveu o seguinte a seu amigo Ambrósio Blaurer: ‘As gerações futuras rirão do prazer que nossa época tem em discutir, quando levantamos tais problemas justamente sobre aqueles sinais que deveriam nos unir'”. Uma das grandes tragédias da história da Reforma é que tanta luta e tanto dano ocorreram em torno da refeição que Jesus pretendia que fosse uma ceia de paz. Outra ironia é que os protestantes, que romperam com Roma com base no princípio da Sola Scriptura, não conseguiram encontrar nesse princípio unidade suficiente para evitar a separação por causa da ceia do Senhor.
Calvino também lamentou essas controvérsias. Embora tenha exposto claramente sua interpretação de 1 Coríntios 11:24, “isto é o meu corpo” (“Darei minha própria visão destas palavras, não apenas de forma sincera e honesta, mas também sem qualquer reserva, como geralmente faço”), ele escreveu: “Não me envolverei mais uma vez nas desditosas batalhas que têm perturbado a Igreja de nosso tempo em relação ao significado dessas palavras. Gostaria apenas que fosse possível enterrar para sempre qualquer lembrança delas no esquecimento eterno!”
William Barclay, ao comentar o verso 29 de 1 Coríntios 11 (sobre comer e beber o pão e o vinho indignamente), escreveu:
“Isto pode significar duas coisas, e ambas são reais e importantes; na verdade, ambas são tão significativas que é muito provável que a frase se refira a ambas.
- Pode significar que aquele que come e bebe indignamente não compreende o que os símbolos sagrados representam e significam. Pode também se referir à falta de percepção sobre o profundo significado do que está fazendo, não valorizando a santidade do ato que realiza. Pode ser que se trate de alguém que participa sem reverência, sem reconhecer o amor que esses símbolos representam, nem a responsabilidade que sobre ele recai.”
- Mas há outro possível significado. A frase “o corpo de Cristo” muitas vezes representa a Igreja; isso ocorre, como veremos, no capítulo 12. Paulo acabava de repreender aqueles que, com suas divisões e distinções de classe, estavam dividindo a Igreja. Portanto, isso pode significar que a pessoa que come e bebe indignamente é aquela que nunca percebeu que toda a Igreja é o corpo de Cristo, que está em discórdia com seu irmão, que olha para o próximo com desprezo, ou que, por qualquer outra razão, não está em unidade com seus irmãos. O ritual da Igreja Escocesa para o sacramento convida à mesa aqueles que estão em uma relação de ‘amor e caridade’ com o próximo. Todo homem que, em seu coração, abriga ódio, amargura ou desprezo contra seu irmão come e bebe indignamente ao se aproximar da mesa do Senhor com esse espírito. Assim, comer e beber indignamente é fazê-lo sem o devido senso de reverência e sem compreender a grandeza do que estamos realizando, ou fazê-lo estando em discórdia com o irmão pelo qual Cristo morreu, assim como morreu por nós.
Sempre apreciei quando os pastores presbiterianos perguntam: “Quem pode participar desta mesa?” E respondem: “Todos os membros em plena comunhão com esta igreja. Mas esta não é a mesa desta igreja, é a mesa do Senhor, por isso convidamos todos os que foram batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo em uma igreja evangélica e estão em plena comunhão com suas respectivas igrejas a participarem conosco desta ceia.”
E que chegue o dia em que também esta controvérsia de séculos tenha fim e que cheguemos à unidade da fé na Igreja de Cristo.