Por: Pedro Meijer | Prompte et Sincere

O livro bíblico de Eclesiastes, e o capítulo 3 em especial, chama nossa atenção para o tempo. Ao entrarmos em um novo ano, o ser humano, crente ou não, sente algo do mistério do tempo. Mas Eclesiastes 3 não trata do tempo num sentido filosófico. A mensagem bíblica aqui nos apresenta o tempo como algo que está nas mãos do Soberano Deus. Confira Eclesiastes 3.1: “Tudo tem o seu tempo determinado…”.

Agora quero me concentrar em 3.11, especialmente na seguinte sentença: “também pôs [Deus] a eternidade no coração do homem” (RA). Olhando traduções de hoje e de ontem, percebemos a luta dos tradutores pelo verdadeiro sentido da famosa palavra hebraica “olam”. Considerem as seguintes variações nas traduções: “o anseio pela eternidade” (NVI), cf. “o senso da eternidade” (Paulinas, Ed. Pastoral); “o conjunto do tempo” (Bíblia de Jerusalém), “duração inteira” (Ed. A.M.), enquanto a Septuaginta usa a palavra grega “aion”, cf. a opção da Vulgata: “mundo”, seguida por Martinho Lutero. Uma tradução holandesa usa o equivalente da palavra “século”. Parece que o Rei Salomão, o Pregador, usou uma palavra misteriosa.

Para mim, este versículo da Palavra de Deus era, sim, misterioso. O significado mais provável, aos meus olhos, era que o Autor Divino quisesse ensinar que cada ser humano é filho de seu tempo. Por exemplo, nossos irmãos reformados do século XVI eram filhos do seu tempo, mas nós não temos o século XVI em nossos corações, e sim o século XXI. Alguns anos atrás, resolvi fazer um sermão sobre Eclesiastes 3.11. Foi então que comecei a duvidar do significado que eu havia considerado ser o mais provável. Fui ajudado por uma nova tradução holandesa (2004, sigla: NBV) que ofereceu o seguinte: “Deus pôs a visão do tempo no coração do homem” (tradução minha do holandês).

Considerando o contexto todo, cheguei à conclusão de que a mensagem divina quer transmitir o seguinte: o Espírito de Deus dá ao homem a consciência do definitivo. O verso bíblico fala do coração do homem, sendo ele o centro de conhecimento, visão, memória e percepção, ou seja, de consciência. Mas consciência de quê? Creio que Salomão, usando a palavra ‘eternidade’, se refere a algo de longa duração, em contraste com um momento. Deus pôs em nosso coração a consciência do que é duradouro, incessante e definitivo. Quando consideramos a história, seja no mundo, seja na igreja, ou em nossa própria vida, nós temos a sensação de que muita coisa esteja acontecendo, um emaranhado de fatos, acontecimentos, encontros e experiências. Ou seja, a sensação de que tudo pareça um caos, vazio, ‘vaidade’, vento e um jogo até.

Mas, diz o Pregador Rei Salomão, a história e os acontecimentos de hoje não são um jogo, porque há algo definitivo na história, e na vida de cada um de nós. Pensemos nas ações de Deus que têm um caráter definitivo, Natal, Páscoa, Ascensão e Pentecostes. Mas também em nossas ações, por variadas que sejam, há algo definitivo.

Este não é um pensamento estranho. Veja 3.11: “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo”, e 3.14: “Sei que tudo quando Deus faz durará eternamente”. Quanto às ações de Deus, Ele está conduzindo tudo para a vinda do Seu Reino. Veja também o versículo 15: “Deus fará renovar-se o que se passou”. Ou seja, o passado não é simplesmente passado! Isto é positivo: nossos atos de fé têm algo de definitivo! Se você criou seus filhos na fé, e ainda está fazendo isso, isso não desaparece num grande vazio. O que havia de bom na sua vida, pela graça, sua vida de oração, sua leitura permanente da Bíblia, tudo isso não cairá num vazio. Pelo contrário, 1 Coríntios 15:58 e Apocalipse 14:13 nos ensinam que a obra da fé dura para a eternidade. Não é um pensamento fascinante? Certamente é, além de ser uma mensagem encorajadora para os filhos de Deus. Houve algo definitivo e duradouro no que fizemos em 2023, e haverá algo definitivo neste ano do Senhor, 2024. Pois Deus pôs a consciência do definitivo no coração do homem.

Por fim, será que todo e qualquer homem percebe esse definitivo? Não! Poderíamos admitir que seres humanos tenham a capacidade de perceber o definitivo na história. Mas, é o Espírito de Deus que deve colocar esta consciência no seu coração. É Ele que nos dá a visão sábia do tempo. Quem a receberá? Aquele que deseja ser sábio, e deseja conhecer a Deus, ou seja, todos que O buscam, com seu coração voltado para Deus. É o Espírito de Deus que nos faz perceber que nem tudo será em vão, vazio, ou contingente e transitório. Há continuidade, porque as ações de Deus têm um caráter definitivo e eterno. É assim que entramos neste novo ano, com a compreensão de que a obra de Deus, e também a nossa obra de fé, é permanente.

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membro do conselho diretor Pieter Koenraad Meijer, Cand. Th. Meppel, Holanda. Presbítero docente (ministro da Palavra) jubilado nas Igrejas Reformadas da Holanda (Libertas). Candidaat em Teologia (Cand. Th., comparável ao Mestre em Divindade), Theologische Hogeschool van de Gereformeerde Kerken – vrijgemaakt (Faculdade Teológica das Igrejas Reformadas – Libertas), Kampen, Holanda, 1973. Pastor, Noordbergum, Holanda, 1973-78; missionário nos estados de Alagoas e Pernambuco, Brasil, 1978-1995; desenvolvimento de literatura para a igreja brasileira, Assen, Holanda, 1995-1996; pastor, Hardenberg-Oost, Holanda, 1996-1999 and Hardenberg-Baalder, Holanda, 1999-2012; jubilado desde 30 de setembro de 2012. Instrutor, Seitas e Heterodoxia Confessional, Seminário Presbiteriano do Norte, Recife, PE, Brazil, 1984-1985, 1988-1991; instrutor, Heterodoxia Confessional, Centro de Estudos Teológicos das Igrejas Reformadas do Brasil, Recife, PE, Brazil, 2002 e 2004; instrutor, Eclesiologia, Instituto João Calvino (instituto teológico das Igrejas Reformadas do Brasil), Recife, PE, Brasil, 2013; membro do Comitê da Missão Drenthe para contatos com Igrejas Reformadas e Presbiterianas na América Latina (em nome das Igrejas Reformadas – Libertas, na província holandesa de Drenthe), 2015-. Autor do Manual para Presbíteros e Diáconos, Resumo dos Cinco Artigos de Fé Contra o Arminianismo, e Estudos sobre o Catecismo de Heidelberg – co-autor). Instrutor, FITRef, Três Formas de Unidade, FITRef, 2013-

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